Wednesday, July 23, 2008

Bertolt Brecht é gente de esquerda!


Há muito tempo não escrevo nesse espaço porque buscava algo realmente interessante para comentar. Nada me empolgou nesses últimos dias, desde que o Daniel Dantas foi solto pelo ministro Gilmar Mendes. A notícia do “habeas celas” do banqueiro foi como se o mundo acabasse. Minha fé numa melhora real do Brasil foi por água abaixo. Tenho a sensação de que a qualquer momento posso deixar de ser um esquerdista para virar o mais virulento dos direitistas...Tipo Diogo Mainardi ou Onix Lorenzoni, saca?

Sorte minha que ainda encontro amigos pelo caminho e pelo menos no teatro é possível viver um mundo ideal, mesmo que seja por algumas horas. Graças a uma dessas amigas, na semana passada fui assistir ao último ensaio geral da peça “A alma boa de Setsuan”, que estréia nesse final de semana em São Paulo. Escrita pelo dramaturgo Bertolt Brecht, conhecidamente “de esquerda”, era o que eu precisava para largar essas idéias absurdas de defender o DEM nas próximas eleições.

Foi a primeira vez que assisti o ensaio geral de uma peça antes da estréia. E acho que comecei muito bem. No palco, uma constelação de estrelas do teatro: Ary França, Claudia Mello, Maurício Marques, Marcos Cesana e a conhecidíssima Denise Fraga.

Num belo dia de sol, Deus (Ary França) resolve dar uma voltinha pela Terra em busca de uma alma realmente boa nesse mundão de “meu deus”. Ao receber abrigo de uma prostituta, Chen Tê, que se esfola para ajudar as pessoas do vilarejo de Setsuan ao mesmo tempo em que tenta sobreviver a esse mundo estranho, o todo-poderoso resolve presentear a prostituta (Denise Fraga) com um belo dote em moedas de ouro. A única recomendação à moça é que “Continue fazendo o bem”.

É a deixa que se fez necessário para a vida da mulher virar um inferno, já que várias parasitas resolvem tirar uma casquinha da fortuna e da loja nova que a moça abriu para sair da vida mundana. Esses exploradores de gente boazinha são o modelo típico do que a direita brasileira classifica de “beneficiários do bolsa-família que não gostam de trabalhar”.

Dividida entre fazer o bem e o correto, a moça inventa um alter-ego de nome “Primo Chui Ta”, desdobrando-se em dois personagens no velho truque do Vitor ou Vitória. O alter ego da prostituta é justamente o cara direitista, explorador de trabalhadores e que só pensa em enriquecer e cuidar da sua prole. Ele é o contrário de Chen Tê, moça doce e solidária, que só pensa em fazer o bem.

A farsa vai se desenrolando com muito humor até o julgamento final, onde Deus é o juiz e tem que julgar a atitude da moça. Como todo pai, Deus absolve a mulher e vai embora feliz da vida, sabendo que ao menos a prostituta é digna da criação e uma pessoa de alma boníssima. Mas a genialidade do texto de Brecht está no pepino que Deus deixou para a moça resolver, tendo que justificar o motivo da dupla personalidade aos amigos exploradores e explorados. Ao invés de dar um final para a trama, o dramaturgo joga para o público decidir o que faria se estivesse no lugar da prostituta. Luzes de apagam e o conflito entre ego e alter ego se manifesta em cada um dos presentes.

“A alma boa de Setsuan” é dirigida por Marco Antonio Braz, conhecido por suas inúmeras montagens de Nelson Rodrigues. A montagem é cheia de mudanças de cenário, com alegorias desmontáveis que assumem várias formas durante o espetáculo. No ensaio geral ficou claro que o palco do teatro Renaissance, que recebe o espetáculo, é pequeno para o grande número de adereços presentes o tempo todo no palco, como a bicicleta que o todo poderoso passeia pelo planeta, que quase mal consegue deslizar pelos obstáculos.

Assistindo ao ensaio geral vemos as dificuldades que os atores passam na hora de carregar cadeiras, trocar de roupa e ajeitar cenário. Eles fazem tudo isso sem sair do palco um minuto sequer. Muitos deles estão acostumados ao set de filmagens onde chegam apenas com o texto decorado para gravar, mas o teatro é uma prova de fogo para esse comodismo. Ver atores típicos da fauna das novelas globais escorregando, derrubando cadeira e pisando no cenário do fundo é hilário e exige muito ensaio de todos eles para que nada dê errado na estréia.

Chama atenção também a interpretação de Denise Fraga, que está leve no palco, sem aquele exagero dramático de sua ultima personagem na minissérie “Queridos amigos”, em que fazia uma ex-torturada política que chorava a qualquer discussão com a mãe. Dividida em dois personagens, a moça achou o tom ideal entre o drama e a comédia que exige esse texto inédito de Brescht . O resto do elenco é muito entrosado e solto em cena, mostrando segurança na apresentação. Faltou apenas um sal a mais para Ary França, já que estamos acostumados a vê-lo em papéis de humor escrachado e pastelão que o consagrou na TV e no teatro, desde os tempos do grupo Ornitorrinco e do programa Rá-tim-bum, na Tv Cultura.

Em síntese, “A alma boa de Setsuan” é uma peça obrigatória de Bertolt Brecht. Eu tive sorte de ver o ensaio aberto. Mas você que teve fôlego de ler esse post até aqui, terá que desembolsar R$80,00 se não quiser ficar com essa lacuna de formação na sua trajetória!

1 comment:

Osvaldo Aires Bade said...

ASSASSINA FIGARISTA!!!
http://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2013/01/assassina-figarista-chore-por-este.html