Nesse fim-de-semana tive a oportunidade de rever o espetáculo Avenida Dropsie, que integra a programação de 15 anos da Sutil Companhia de Teatro, no Teatro Popular do Sesi.
A primeira vez que vi essa peça foi em 2005, no mesmo teatro. Guardava lembranças maravilhosas dessa encenação que mistura várias obras do genial Will Eisner, cartunista criador de diversas HQs como Spirit. Nessa segunda vista, o espetáculo me pareceu ainda mais interessante do ponto de vista dramático e da preparação dos atores.
No ano de 2005, Leonardo Medeiros, Guilherme Weber e André Frateschi ainda não tinham ganhado a mídia com participações de sucesso em novelas, séries globais e filmes. Mesmo assim, já se destacavam em suas performances. A única que estava em evidência naquela época era Magali Biff, a Ernestina da novelinha Chiquititas, do Sbt. Por conta desse enorme sucesso, chega a incomodar o número de pessoas que comentavam durante o espetáculo sobre ator X ou Y ser mais gordo, magrou ou bonito do que na tv ou cinema. Comentários que por vezes desviavam o foco para o que acontecia em cena.
Mas esse não é um privilégio da Sutil Cia. Até quem costuma ir ao teatro e é do underground teatral de São Paulo costuma observar mais a atuação dos, digamos, atores mais conhecidos do grande público. Apesar de tudo isso, Avenida Dropsie não é um espetáculo em que um só ator se destaca. Com poucos diálogos e muita expressão corporal, é uma peça de articulações, onde atores, efeitos visuais, cenografia e música se fundem para mostrar justamente a engenhoca que gira toda grande cidade no mundo.
A Avenida Dropsie é qualquer avenida do mundo. O período em que suas histórias se passam é qualquer um, mas é especialmente o que vivemos agora. Judeu de família imigrante, radicada em Nova York, Eisner nasceu no Brooklyn e é um cidadão essencialmente urbano. A peça dirigida em São Paulo por Felipe Hirsch mostra uma série de observações feitas pelo cartunista durante sua vida na Big Apple. Principalmente no período de sua infância, auge da crise econômica de 1929.
Na faculdade de Jornalismo estudamos os "flâneurs", aqueles sujeitos que costumavam andar pelas ruas de Paris fazendo observações sobre a cidade e seus habitantes. O trabalho de Eisner é justamente esse: o de pairar invisível por uma grande cidade, testemunhando os "pequenos milagres" que acontecem diariamente numa grande metrópole, como o próprio autor classifica.
Para um jornalista essas sutilezas são peculiares a profissão. Talvez por isso fiquei tão fascinado diante da perfeita reprodução dos episódios cotidianos no palco. Embora muito se critique a forma fechada que o diretor Felipe Hirsch e o ator Guilherme Weber, fundadores da Sutil, conduzam o grupo, o resultado em cena é o que de melhor pode haver em teatro comercial no país.
A cenografia de Daniela Thomas (a mesma do filme Linha de Passe) é acachapante. Um prédio de três andares que leva para o palco situações que nos 110 minutos de espetáculo estão acontecendo em todos os lugares e, com certeza, já aconteceu ou acontecerá com você. Tudo isso de forma mágica, rica em efeitos visuais.
Gostoso também ouvir a voz de Gianfrancesco Guarnieri, que em 2005 ainda estava vivo e narrou as historietas, representado Will Eisner. De repente deu saudades do velho engajado, com sua voz rouca capaz de encantar dentro e fora de cena.
Caro leitor, se você não viu Avenida Dropsie, você pode estar perdendo um espetáculo único, que eleva a obra de Eisner com muita grandeza. Programa daqueles que lembraremos pra sempre.
Serviço: Avenida Dropsie - Teatro Popular do Sesi
Temporada: 18 a 22 de março
25 de março a 05 de Abril
Horário: 20h00 (quarta a sábado) ou 19h00 (domingo)
Preço; R$ 10,00 (inteira) ou R$5,00 (meia)
Endereço: Centro Cultural da Fiesp - Av. Paulista, 1313
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