Voltar do trabalho é sempre um barato. Depois de um dia inteiro na labuta, o ato de dirigir-se à residência é sagrado, quase celestial... Na última sexta-feira, como todos os outros dias, coloquei o fone de ouvido e rumei em direção à Pinheiros. Com trilha sonora, tudo fica ainda mais prazeroso, divertido. De Barueri até a civilização real, contei com a carona de um colega. Nos fones, MPB, Samba, Chico Buarque, Zeca Baleiro, Tom Jobim - mas na voz de Gal Costa.
A carona me despejou nas proximidades da Barra Funda. Até em casa, bastavam mais poucos minutos de ônibus. Caminhando, ia até o viaduto Pacaembú, onde subiria no "cata louco", que finalmente me levaria até o sagrado lar... Mas no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma arma no meio do caminho. Uma não, duas. Ou melhor, quatro.
A música que tocava era "Bastidores", do Chico... "Chorei, chorei... até ficar com dó de mim...". Antes que Francisco Buarque pudesse terminar a frase, fui surpreendido na Rua do Bosque por quatro assaltantes, dois deles armados. Foi assim, quase como um tiro. Rápido, indolor. Quando percebi, lá estavam eles. Ao meu redor, exigindo tudo.
O que pensar nessa hora? Nada! Não dá tempo... Em menos de um minuto já estava sem pertences, memória, dignidade. Restava o choque, o medo, a desolação. A dor do cano da arma ainda me dói na nuca. O cano frio foi o máximo da sensação de morte que me aproximei.
Entrei na Record, antiga labuta, tomei uma água e peguei um táxi. Chegando em casa "Chorei, Chorei... até ficar com dó de mim". Não porque me levaram uma mochila, um celular e duas revistas semanais. As lágrimas eram pelas conquistas quase perdidas, os sonhos quase acabados, as reclamações desnecessárias. No futebol e na vida, o "se" ou "quase" são "se" e "quase". Na vida, servem para poluir nossa mente de pensamentos ruins. Se o bando descobrisse que na mochila cobiçada tinha apenas um punhado de letras, certamente o fim seria outro. Pensei na minha mãe e namorada, deitadas sob um caixão, derramando lágrimas de dor por um gesto desnecessários que tivesse feito.
Felizmente nada aconteceu. Estou aqui, vivo. Vários pensamentos passaram pela minha cabeça desde então. Serviram pra me bagunçar ainda mais a vida. Foi a primeira vez que tive realmente a noção da efemeridade de existir. Se houvesse tempo, a próxima música do fone seria Raul Seixas, "Ouro de tolo".
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