Vez ou outra o teatro paulistano tem mania de fazer várias montagens de um mesmo autor até as pessoas se cansarem. Depois das várias repetições de Nelson Rodrigues em cartaz na cidade (destaque para Senhora dos Afogados, que em seis meses teve ao menos quatro montagens em cartaz), chegou a hora e a vez dos ingleses. Quem se lembra das várias repetições de Ricardo III no ano passado? Não bastasse isso, agora temos vários Hamlets que estrearam na última semana. Três de uma única vez!
Agora também está aberta a temporada de Bernard Shaw. Não que o sarcástico mestre do teatro moderno inglês desmereça tantas homenagens, assim como nosso polêmico “Nelsão”, e mesmo com Shakespeare. Mas as companhias de teatro de São Paulo poderiam esparsar mais suas montagens para evitar comparações desnecessárias e não desgastar a obra do autor. E olha que sequer estamos comemorando efemérides de Shaw, que tem mais de 70 peças publicadas.
Depois do musical My Fair Lady, adaptado da peça Pygmalion, de Shaw, que saiu de cartaz há pouquíssimas semanas, temos agora as montagens de Cândida (1895) e Idiota no País dos Absurdos (1925) em cartaz simultaneamente no circuito paulistano.
Nesse domingo me arrisquei a assistir a montagem do diretor Zé Henrique de Paula (que também dirigiu uma das inúmeras versões de Senhora dos Afogados que estavam por esses palcos recentemente) para a Cândida, uma das mais famosas personagens femininas do dramaturgo inglês. Assim com a tragédia carioca de Nelson, o diretor optou por uma versão clássica do texto de Shaw para os palcos, valorizando a riqueza das descrições da obra e enfatizando toda a crítica ao machismo e a decadência da nobreza londrina.
Foi a primeiro contato que tive com o texto de Cândida e confesso que me surpreendi com a qualidade na escolha dos personagens por parte de Zé Henrique, que valorizou ainda mais sua escolha. Sem invenções mirabolantes ou misturas de sambas e palavrões, como fez Cacá Rosset em A megera domada de Shakespeare, Zé Henrique de Paula conseguiu fazer uma belíssima adaptação para a história da devotada esposa do reverendo Morell (Sergio Mastropasqua). Cândida, vivida por Bia Seidl, se vê numa encruzilhada ao envolver-se pelo amor do jovem poeta Marchbanks (Thiago Carreira) e do marido pastor anglicano socialista, dedicado apenas à causas político-religiosas. O enredo, que a princípio pode parecer com as histórias de Capitu, Madame Bovary ou Luisa, de O Primo Basílio, na verdade é uma ode a auto-afirmação dos princípios feministas e do poder patriarcal, e às vezes assustador e sádico, que a figura feminina pode assumir ao ser dona de suas decisões.
Em síntese, depois de tantas besteiras que escrevi, o lead da história é o seguinte: vá assistir. Preste atenção na atuação de Sérgio Mastrospasqua (Morell) e do pai de Cândida, Sr. Burgess, vivido pelo ator João Bourbonnais. Esses dois fazem um embate sensacional entre Socialismo e Capitalismo, fortemente presente na obra de Shaw. A cenografia da peça e o figurino são muito ricos e caracterizam muito os lares londrinos de 1900, sem cair no rococó e no festival de luzes e entre sai de adereços de outras peças. Quatro estrelas.
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1 comment:
Prezado "n" (pena não saber o seu nome real), obrigado por ter nos assistido, pelas referências elogiosas ao espetáculo "Cândida" e particularmente ao meu trabalho. Em meu nome e de toda a equipe, nossos sinceros agradecimentos.
Abraço,
João Bourbonnais.
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